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Conversa de Botas Batidas
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Luis Fernando Veríssimo - Sem Título
sábado, 15 de outubro de 2011
A POLÍTICA ESTÁ TÃO REPULSIVA QUE VOU FALAR DE SEXO - Arnaldo Jabor
Outro dia, a Adriane Galisteu deu uma entrevista dizendo que os homens não querem namorar as mulheres que são símbolos sexuais. É isto mesmo. Quem ousa namorar a Feiticeira ou a Tiazinha. As mulheres não são mais para amar; nem para casar. São apenas para "ver".
Que nos prometem elas, com suas formas perfeitas por anabolizantes e silicones? Prometem-nos um prazer impossível, um orgasmo metafísico, para o qual os homens não estão preparados. As mulheres dançam frenéticas na TV, com bundas cada vez mais malhadas, com seios imensos,girando em cima de garrafas, enquanto pênis-espectadores se sentem apavorados e murchos diante de tanta gostosura. Os machos estão com medo das "mulheres-liquidificador".
O modelo da mulher de hoje, que nossas filhas ou irmãs almejam ser (meu Deus!) é a prostituta transcendental, a mulher-robô, a "Valentina", a "Barbarela", a máquina-de-prazer sem alma, turbinas de amor com um hiperatômico tesão.
Que parceiros estão sendo criados para estas pós-mulheres? Não os há. Os "malhados", os "turbinados" geralmente são bofes-gay, filhos do mesmo narcisismo de mercado que as criou. Ou, então, reprodutores como o Zafir para o Robô-Xuxa.
A atual "revolução da vulgaridade" regada a pagode, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade escravista como a nossa deu nisso: super-objetos. Se achando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor, carinho. São escravas aparentemente alforriadas uma grande senzala sem grades. Mas, diante delas, o homem normal tem medo. Elas são "areia demais pra qualquer caminhãozinho".
Por outro lado, o sistema que as criou enfraquece os homens. Eles vivem nervosos e fragilizados com seus pintinhos trêmulos, decadentes, a meia-bomba, ejaculando precocemente, puxando sacos, lambendo botas, engolindo sapos, sem o antigo charme "jamesbondiano" dos anos 60. Não há mais o grande "conquistador". Temos apenas os "fazendeiros de bundas" como o Huck, enquanto a maioria virou uma multidão de voyer, babando por deusas impossíveis.
Ah, que saudade dos tempos das "bundinhas e peitinhos" "normais" e "disponíveis"... Pois bem, com certeza a televisão tem criado "sonhos de consumo" descritos tão bem pela língua ferrenha do Jabor (eu). Mas ainda existem Mulheres de verdade. Mulheres que sabem se valorizar e valorizar o que tem "dentro de casa", o seu trabalho. E, acima de tudo, mulheres com quem se possa discutir um gosto pela música, pela cultura, pela família, sem medo de parecer um "chato" ou um "cara metido a intelectual".
Mulheres que sabem valorizar uma simples atitude, rara nos homens de hoje, como abrir a porta do carro para elas.
Mulheres que adoram receber cartas, bilhetinhos (ou e-mails) romanticos. Escutar no som dos carro, aquela fitinha velha do Bee Gees ou um CD do Kenny G (parece meio breguinha)... mas é tão bom!!! Namorar escutando estas musiquinhas tranquilas.
Penso hoje, num encontro de um "turbinado" com uma "saradona" o papo deve ser do tipo: - "Meu"... "o professor falou que eu posso disputar o Iron Man que eu vou ganhar fácil". "- Ah, meu... o meu personal trainner disse que estou com os glúteos bem em forma e que nunca vou precisar de plástica." E a música??? Só se for o último sucesso (???) dos Travessos ou Chama-chuva... e o "Vai, Serginho" ???
Mulheres do meu Brasil Varonil!!! Não deixem que criem estereótipos! Não comprem o cinto de modelar da feiticeira. A mulher brasileira é linda por natureza! Curta seu corpo de acordo com sua idade, silicone é coisa de americana que não possui a felicidade de ter um corpo esculpido por Deus e bonito por natureza.
E se os seus namorados e maridos pedirem para vocês "malharem" e ficarem iguais a Feiticeira, fiquem... Igual a Feiticeira dos seriados de TV. FAÇAM-OS SUMIREM DA SUA VIDA!!!
Que nos prometem elas, com suas formas perfeitas por anabolizantes e silicones? Prometem-nos um prazer impossível, um orgasmo metafísico, para o qual os homens não estão preparados. As mulheres dançam frenéticas na TV, com bundas cada vez mais malhadas, com seios imensos,girando em cima de garrafas, enquanto pênis-espectadores se sentem apavorados e murchos diante de tanta gostosura. Os machos estão com medo das "mulheres-liquidificador".
O modelo da mulher de hoje, que nossas filhas ou irmãs almejam ser (meu Deus!) é a prostituta transcendental, a mulher-robô, a "Valentina", a "Barbarela", a máquina-de-prazer sem alma, turbinas de amor com um hiperatômico tesão.
Que parceiros estão sendo criados para estas pós-mulheres? Não os há. Os "malhados", os "turbinados" geralmente são bofes-gay, filhos do mesmo narcisismo de mercado que as criou. Ou, então, reprodutores como o Zafir para o Robô-Xuxa.
A atual "revolução da vulgaridade" regada a pagode, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade escravista como a nossa deu nisso: super-objetos. Se achando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor, carinho. São escravas aparentemente alforriadas uma grande senzala sem grades. Mas, diante delas, o homem normal tem medo. Elas são "areia demais pra qualquer caminhãozinho".
Por outro lado, o sistema que as criou enfraquece os homens. Eles vivem nervosos e fragilizados com seus pintinhos trêmulos, decadentes, a meia-bomba, ejaculando precocemente, puxando sacos, lambendo botas, engolindo sapos, sem o antigo charme "jamesbondiano" dos anos 60. Não há mais o grande "conquistador". Temos apenas os "fazendeiros de bundas" como o Huck, enquanto a maioria virou uma multidão de voyer, babando por deusas impossíveis.
Ah, que saudade dos tempos das "bundinhas e peitinhos" "normais" e "disponíveis"... Pois bem, com certeza a televisão tem criado "sonhos de consumo" descritos tão bem pela língua ferrenha do Jabor (eu). Mas ainda existem Mulheres de verdade. Mulheres que sabem se valorizar e valorizar o que tem "dentro de casa", o seu trabalho. E, acima de tudo, mulheres com quem se possa discutir um gosto pela música, pela cultura, pela família, sem medo de parecer um "chato" ou um "cara metido a intelectual".
Mulheres que sabem valorizar uma simples atitude, rara nos homens de hoje, como abrir a porta do carro para elas.
Mulheres que adoram receber cartas, bilhetinhos (ou e-mails) romanticos. Escutar no som dos carro, aquela fitinha velha do Bee Gees ou um CD do Kenny G (parece meio breguinha)... mas é tão bom!!! Namorar escutando estas musiquinhas tranquilas.
Penso hoje, num encontro de um "turbinado" com uma "saradona" o papo deve ser do tipo: - "Meu"... "o professor falou que eu posso disputar o Iron Man que eu vou ganhar fácil". "- Ah, meu... o meu personal trainner disse que estou com os glúteos bem em forma e que nunca vou precisar de plástica." E a música??? Só se for o último sucesso (???) dos Travessos ou Chama-chuva... e o "Vai, Serginho" ???
Mulheres do meu Brasil Varonil!!! Não deixem que criem estereótipos! Não comprem o cinto de modelar da feiticeira. A mulher brasileira é linda por natureza! Curta seu corpo de acordo com sua idade, silicone é coisa de americana que não possui a felicidade de ter um corpo esculpido por Deus e bonito por natureza.
E se os seus namorados e maridos pedirem para vocês "malharem" e ficarem iguais a Feiticeira, fiquem... Igual a Feiticeira dos seriados de TV. FAÇAM-OS SUMIREM DA SUA VIDA!!!
domingo, 14 de agosto de 2011
ERA UMA VEZ - Luís Fernando Veríssimo
Era uma vez... numa terra muito distante...uma princesa linda, independente e cheia de auto-estima.
Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito.
Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.
Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.
A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
- Eu, hein?... nem morta!
Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito.
Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.
Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.
A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
- Eu, hein?... nem morta!
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
VOCÊ É UM NÚMERO - Clarice Lispector
Se você não tomar cuidado, vira um número até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam-no com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número.Seu título de eleitor é um número.Profissionalmente falando você também é.Para ser motorista,tem carteira com número,e chapa de carro.No Imposto de Renda,o contribuinte é identificado com um número.Seu prédio,seu telefone,seu numero de apartamento _ tudo é número.
Se é dos que abrem crediário, para eles você é um número. Se tem propriedade, também. Se é sócio de um clube, tem um número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras, tem o número da cadeira.
É por isso que vou tomar aulas particulares de Matemática. Preciso saber das coisas. Ou aulas de Física. Não estou brincando; vou mesmo tomar aulas de Matemática; preciso saber alguma coisa sobre cálculo integral.
Se você é comerciante, seu alvará de localização o classifica também.
Se é contribuinte de qualquer obra de beneficência, também é solicitado por um número. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negócio, recebe um número. Para tomar um avião, dão-lhe um número. Se possui ações, também recebem um, como acionista de uma companhia. E claro que você é um número no recenseamento. Se é católico, recebe número de batismo. No registro civil ou religioso, você é numerado. Se possui personalidade jurídica, tem. Enquanto a gente morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também.
Nós não somos ninguém?Protesto. Aliás é inútil o protesto.E vai ver o meu protesto também é um número.
Uma amiga minha contou que, no Alto Sertão de Pernambuco, Uma mulher estava com o filho doente, desidratado, foi para o Posto de Saúde. E recebeu a ficha número 10. Mas dentro do horário previsto pelo médico a criança não pode ser atendida porque só atenderam até o número 9. A criança morreu por causa de um número.
Se há uma guerra, você é classificado por um número. Numa pulseira com placa metálica, se não me engano. Ou numa corrente de pescoço, metálica.
Nós vamos lutar contra isso. Cada um é um, sem número. O si - mesmo é apenas si - mesmo.
E Deus não é um número.
Vamos ser gente, por favor!Nossa sociedade esta nos deixando secos como um número seco, como um osso branco seco exposto ao sol. Meu número íntimo é 9. Só. 8. Só. 7. Só. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e sete, Estou me classificando com um número?Não, a intimidade não deixa. Veja, tentei varias vezes na vida não ter numero e não escapei.O que faz com que precisemos de muito carinho,de nome próprio,de genuinidade.Vamos amar que amor não tem numero.ou tem?
VISTA CANSADA - Otto Lara Resende
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez?Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua; não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou. Fugiu enquanto pôde do desespero que o roía _e daquele tiro brutal.
Se eu morrer, morre comigo certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional de passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele?Sua cara?Sua voz?Como se vestia?Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O habito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. Vemos?Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por ai que se instala no coração o monstro da indiferença.
VAI - Ivan Ângelo
Quer ir?Vai. Eu não vou segurar. Uma coisa que não dá certo é segurar uma pessoa contra a vontade, apelar pro lado emocional. De um jeito ou de outro isso vira contra a gente mais tarde: não fui porque você não deixou, ou: não fui porque você chorou. Sabe, existem umas harmonias em que é bom a gente não mexer. Estraga a música. Tem a hora dos violinos e tem a hora dos tambores.
Eu compreendo, compreendo perfeitamente. Olha, e até admito: você muda pra melhor. Fora de brincadeira, acho mesmo. Eu sei das minhas limitações, pensei muito nisso quando tava tentando te entender. É, é um defeito meu, considerar as pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não tem mais jeito, eu sou assim. Paciência.
Sabe por que eu digo que você muda pra melhor?Ele faz tanta coisa melhor que eu!Verdade. Tanta coisa que eu não aprendi por falta de tempo, de oportunidade - ora, pra que ficar me justificando?Não aprendi por falta de jeito, de talento, essa é que é a verdade. Eu sei ver as qualidades de uma pessoa, mesmo quando é um homem que vai roubar minha namorada. Roubar não: ganhar.
Compara. Ele dança muito bem, ate chama a atenção. Campeão de natação, anda de bicicleta como um acrobata de circo, é bom de moto, sabe atirar, é fera no volante,caça e acha,monta a cavalo,mete o braço,pesca,veleja,mergulha... Não tem companhia melhor.
Eu danço mal, você sabe. Não consegui ultrapassar aquela fronteira larga entre a timidez e a ousadia, entre a discrição e o exibicionismo, que separa o mau e o bom bailarinos. Nunca fui muito alem daquela fase em que uma amiga compadecida precisava sussurrar no meu ouvido: dois pra lá, dois pra cá.
Atravessar uma piscina eu atravesso, uma vez, duas talvez, mas três?Menino de cidade, e modesto, não tive córrego nem piscina. É com olhos invejosos que eu o vejo na água, afiado como se tivesse escamas.
Moto?Meu Deus, quem sou eu. Pra ser bom nisso é preciso ter aquele ar de quem vai passar roncando na frente ou por cima de todo mundo - e esse ar ele tem.
Montar?É preciso ter essa certeza, que ele tem, de que cavalo foi feito para ser domado, arreado, freado, ferrado e montado. Eu não tenho. Não tá em mim. Eu ia montar como se pedisse desculpas ao cavalo pelo incomodo, e isso não dá, não pode dar um bom cavaleiro.
O jeito como ele dirige um carro é humilhante. Já viajei com ele, encolhido e maravilhado. Você conhece o jeitão, essa coisa da velocidade. Não vou ter nunca aquela noção de tempo, a decisão, o domínio que ele tem. Cada um na sua. Eu troquei a volúpia de chegar rapidinho pelo prazer de estar a caminho. No amor também.
Caçar... Dar um tiro num bicho... Ele tem isso, a certeza de que o homem é o senhor do universo, tudo ta aí pra ele. Quem me dera. Quando penso naquela pelota quente de aço entrando no corpo do bicho, rasgando a carne. Quebrando ossos... Não, não tenho coragem.
Aí é que eu tou pedindo mesmo, no capitulo da coragem. Ele faz e acontece, já vi. Mas eu?Quantas vezes já levei desaforo pra casa. Levei e levo. Se um cachorro late pra mim na rua, vou lá e mordo ele?Eu não. Mudo de calçada.
Outra coisa: ele é mais engraçado do que eu. Fala mais alto, ri mais a vontade, às vezes chama ate um pouco a atenção, mas... É da idade. Lembra aquela vez que ele levou um urubu e soltou na igreja no dia do casamento do Carlinhos?E aquela vez que ele sujou de coco de cachorro as maçanetas dos carros estacionados na porta da boate?Lembra do sucesso?Os jornais falaram por dias naquilo. Não consigo ser engraçado assim. Não tá em mim. Por isso que eu não tenho mágoa. Ele é muito mais divertido. E mais bonito também.
Vai.
Olha, não quero dizer que o que eu vou falar agora tenha importância pra você, que possa ter influído na sua decisão, mas ele tem mais dinheiro também, você sabe. Ele tem até, sabe?,Aquele ar corajoso dos ricos, aquela confiança de entrar nos lugares. Eu não. Muito cristal me intimida. Os meus lugares são uns escondidos onde o garçom é amigo, o dono me confessa segredos, o cozinheiro acena lá do quadrinho e me reserva o melhor naco. É mais caloroso, mas não compensa o brilho, de jeito nenhum.
Ele é moderno, decidido. Num restaurante não te oferece primeiro a cadeira, não observa se você ta servida, não oferece mais vinho. Combina, não é?,Com um tipo de feminismo. A mulher que se sente,peça o que quiser,sirva-se, chame o garçom quando precisar. Também não procura saber se você ta satisfeita. Eu sei que é assim que se usa agora. Até no amor já eu sou meio antigo, ultrapassado, gosto de umas cortesias.
Também não vou dizer que ele é melhor do que eu em tudo. Isso não. Eu sei, por exemplo, uns poemas de cor. Li alguns livros, sei fazer papagaio de papel, posso cozinhar uns dois ou três pratos com categoria, tenho certa paciência pra ouvir, sei uma ótima massagem para dor nas costas, mastigo de boca fechada, levo jeito com crianças, conheço umas orquídeas, tenho facilidade pra descobrir onde colocar umas carícias, minhas camisas são lindas, sei umas coisas de cinema, não bato em mulher.
E não sou rancoroso. Leva a chave para o caso de querer voltar.
POESIA MATEMÁTICA - Millôr Fernandes
As folhas tantas do livro matemático, um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita.
Olhou-a com o seu olhar inumerável e via-a do ápice à base; uma figura impar; olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides.
Fez da sua uma vida paralela a dela, ate que se encontraram no infinito.
“Quem és tu?” - indagou ele em ânsia radical.
“Sou a soma dos quadrados dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa”.
E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si.
E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando, ao sabor do momento e da paixão, retas curvas, círculos e linhas senoidais nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das formulas euclidianas e os exegetas do universo finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar, constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.
Convidaram para padrinhos o Polígono e a Bissetriz.
E fizeram planos e equações e diagramas para o futuro, sonhando com a felicidade integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos
E foram felizes Ate aquele dia em que tudo vira afinal monotonia.
Foi então que surgiu o Maximo Divisor Comum, freqüentador de círculos concêntricos viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta, e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade.
Era um triângulo tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade e tudo o que era espúrio passou a ser moralidade, como alias em qualquer sociedade.
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